<\/a><\/p>\n

Lula finge n\u00e3o notar, mas sua propalada honestidade j\u00e1 se encontra sob questionamento em pelo menos quatro inqu\u00e9ritos. Num deles, o promotor C\u00e1ssio Conserino, de S\u00e3o Paulo, avisou que formalizar\u00e1 uma den\u00fancia contra o ex-presidente e sua mulher, Marisa Let\u00edcia. Vai enquadr\u00e1-los no crime de lavagem de dinheiro. Acusa-os de ocultar a posse de um apartamento triplex no Guaruj\u00e1. O im\u00f3vel foi reformado pela OAS, uma das empreiteiras enroladas na Lava Jato. \u201cLula e dona Marisa ser\u00e3o denunciados\u201d, disse o promotor \u00e0 revista Veja. \u201cBrevemente, eles ser\u00e3o chamados a depor.\u201d
\nAlheio ao cerco que se fecha \u00e0 sua volta, Lula ainda cultiva um conceito extraordin\u00e1rio sobre si mesmo. \u201cSe tem uma coisa de que me orgulho \u00e9 que n\u00e3o tem nesse pa\u00eds uma viva alma mais honesta do que eu\u201d, autocongratulou-se h\u00e1 quatro dias, numa entrevista com blogueiros. Nessa mesma conversa, estalando de autoridade moral, Lula desafiou: \u201cDuvido que neste pa\u00eds tenha um promotor, um delegado [\u2026] que tenha coragem de afirmar que eu tenha me envolvido em qualquer coisa il\u00edcita neste pa\u00eds.\u201d
\n\u00c9 como se Lula, trancado em sua autoestima, enxergasse a conjuntura a partir de lentes cor de rosa. O problema \u00e9 que, afora o processo sobre o apartamento de cobertura no Guaruj\u00e1, h\u00e1 pelo menos outros tr\u00eas que conspiram contra a ilus\u00e3o de \u00f3tica do cacique petista. Num desses processos, a Pol\u00edcia Federal apura a suspeita de envolvimento de Lula no loteamento pol\u00edtico que deixou a Petrobras vulner\u00e1vel \u00e0 pilhagem. Noutro, a PF investiga se Lula est\u00e1 envolvido no caso de venda de medidas provis\u00f3rias durante sua gest\u00e3o. Num terceiro, a Procuradoria esquadrinha den\u00fancia de tr\u00e1fico de influ\u00eancia de Lula em favor de empreiteiras brasileiras que atuam no exterior.
\nLula j\u00e1 foi interrogado nos tr\u00eas casos. Em teoria, falou como testemunha. Na pr\u00e1tica, foi tratado como suspeito. No inqu\u00e9rito sobre a Lava Jato, conduzido em Bras\u00edlia pelo delegado federal Jos\u00e9lio Azevedo de Sousa, Lula foi interrogado no m\u00eas passado. Compareceu perante o delegado para falar como \u201cinformante\u201d, na express\u00e3o usada pelo ministro Teori Zavascki, do STF, ao autorizar o interrogat\u00f3rio. Mas o doutor Jos\u00e9lio fez quest\u00e3o de expor as suspeitas que nutre em rela\u00e7\u00e3o a Lula j\u00e1 no of\u00edcio que endere\u00e7ou ao Supremo.
\nO delegado anotou: \u201cNa condi\u00e7\u00e3o de mandat\u00e1rio m\u00e1ximo do pa\u00eds\u201d na \u00e9poca do assalto \u00e0 Petrobras, Lula \u201cpode ter sido beneficiado pelo esquema, obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manuten\u00e7\u00e3o de uma base de apoio partid\u00e1rio sustentada \u00e0 custa de neg\u00f3cios il\u00edcitos na referida estatal.\u201d
\nCrivado de interroga\u00e7\u00f5es sobre o petrol\u00e3o, Lula tentou manter diante do delegado a f\u00e1bula do \u201ceu n\u00e3o sabia\u201d. Mas suas contradi\u00e7\u00f5es denunciaram um depoente em apuros. A certa altura, o doutor Jos\u00e9lio perguntou sobre Renato Duque, o ex-diretor de Servi\u00e7os da Petrobras, que est\u00e1 preso no Paran\u00e1 sob acusa\u00e7\u00e3o recolher propinas na estatal em nome do PT. Lula disse n\u00e3o ter nada a ver com a nomea\u00e7\u00e3o de Duque.
\nNa vers\u00e3o de Lula, o nome de Duque foi submetido \u00e0 Casa Civil da Presid\u00eancia, ent\u00e3o chefiada por Jos\u00e9 Dirceu. \u201cCabia \u00e0 Casa Civil receber as indica\u00e7\u00f5es partid\u00e1rias e escolher a pessoa que seria nomeada\u201d, disse. O delegado perguntou se Duque era o homem do PT na diretoria da Petrobras. Lula disse n\u00e3o saber \u201cse foi o PT ou outro partido\u201d que o indicou. Real\u00e7ou que n\u00e3o conhecia Duque. E quanto a Nestor Cerver\u00f3, outro ex-diretor da Petrobras preso? \u201cFoi uma indica\u00e7\u00e3o pol\u00edtica do PMDB.\u201d
\nLula repetiu que n\u00e3o participou do processo de escolha dos diretores da Petrobras. Sustentou que a escolha dos nomes passava pela costura de acordos pol\u00edticos. Tais acordos \u201ceram feitos normalmente pelo ministro da \u00e1rea, pelo coordenador pol\u00edtico do governo e pelo partido interessado na nomea\u00e7\u00e3o.\u201d Sem mencionar-lhe o nome, acabou jogando Dilma no caldeir\u00e3o.
\nA Petrobras \u00e9 subordinada ao Minist\u00e9rio de Minas e energia. Na \u00e9poca da nomea\u00e7\u00e3o dos diretores corruptos, a ministra \u201cda \u00e1rea\u201d era Dilma. O delegado indagou quem era o coordenador pol\u00edtico do governo. Lula respondeu que teve v\u00e1rios. Citou quatro: Tarso Genro, Jaques Wagner, Alexandre Padilha e Aldo Rebelo. Alegou n\u00e3o se lembrar qual deles tratou das nomea\u00e7\u00f5es de Renato Duque e de Nestor Cerver\u00f3.
\nEspreme daqui, aperta dali, Lula caiu em contradi\u00e7\u00e3o. Reconheceu que a palavra final sobre as nomea\u00e7\u00f5es era dele. Depois de ter jogado toda a responsabilidade sobre os ombros de Dirceu, explicou que os partidos negociavam suas nomea\u00e7\u00f5es com diversos atores \u2014os ministros da \u00e1rea, o coordenador pol\u00edtico\u2026\u2014 \u201cnao somente com o ministro-chefe da Casa Civil.\u201d E admitiu: \u201cao final do processo\u201d, o fisiologismo desaguava no gabinete presidencial. Ouvido, Lula \u201cconcordava ou n\u00e3o com o nome apresentado\u201d. Alegou que baseava suas escolhas em \u201ccrit\u00e9rios t\u00e9cnicos que credenciavam o indicado\u201d. Deu no que deu.
\nDias atr\u00e1s, ao protocolar no STF den\u00fancia contra o deputado Vander Loubet (PT-MS), acusado de receber petropropinas, o procurador-geral da Rep\u00fablica Rodrigo Janot anotou no texto conclus\u00f5es que refor\u00e7am a linha de investiga\u00e7\u00e3o do delegado Jos\u00e9lio. Segundo Janot, Lula concedeu ao senador Fernando Collor (PTB-AL) \u201cascend\u00eancia” sobre a BR Distribuidora, subsidi\u00e1ria da Petrobras. Fez isso em 2009, \u201cem troca de apoio pol\u00edtico \u00e0 base governista no Congresso Nacional”.
\nJanot soou \u00e1cido. Nas sua defini\u00e7\u00e3o, formou-se na Na BR Distribuidora, sob Lula, \u201cuma organiza\u00e7\u00e3o criminosa preordenada principalmente ao desvio de recursos p\u00fablicos em proveito particular, \u00e0 corrup\u00e7\u00e3o de agentes p\u00fablicos e \u00e0 lavagem de dinheiro”. Collor nomeou dois diretores da estatal. Lula decerto avaliou que o aliado movia-se por patriotismo. Mas Janot informou na peti\u00e7\u00e3o ao STF que as diretorias ocupadas por seus apaniguados \u201cserviram de base para o pagamento de propina ao parlamentar.” Al\u00e9m da turma de Collor, Lula acomodou na BR Distribuidoras apadrinhados do PT, tamb\u00e9m para realizar a coleta de \u201cvalores il\u00edcitos\u201d, acusou Janot, numa esp\u00e9cie de aviso sobre o que ainda est\u00e1 por vir na Lava Jato.
\nH\u00e1 duas semanas, Lula viu-se compelido a prestar novo depoimento \u00e0 PF, dessa vez sobre a suposta compra de medidas provis\u00f3rias por lobistas a servi\u00e7o de empresas de autom\u00f3veis. O interrogat\u00f3rio foi constrangedor. Lula foi questionado sobre os R$ 2,5 milh\u00f5es que seu filho ca\u00e7ula, Lu\u00eds Claudio Lula da Silva, recebeu do lobista preso Mauro Marcondes, um dos suspeitos de intermediar a comora de MPs. Como de praxe, Lula disse que n\u00e3o sabia de nada.
\nLula foi confrontando com o teor de documento apreendido no escrit\u00f3rio de Mauro Marcondes. Nele, est\u00e1 escrito: \u201ca MP foi combinada entre o pessoal da Fiat, o presidente Lula e o ent\u00e3o governador de Pernambuco Eduardo Campos”. E Lula: \u201cCombina\u00e7\u00e3o nesse sentido pejorativo \u00e9 coisa de bandido. N\u00e3o ocorreu”. Admitiu, por\u00e9m, que se reuniu \u201calgumas vezes\u201d com Eduardo Campos e Cledorvino Beline, da Fiat. Alegou que a conversa foi sobre a instala\u00e7\u00e3o de f\u00e1brica da Fiat em Pernambuco.
\nA PF mostrou a Lula tamb\u00e9m minuta de uma carta dirigida a ele pelo lobista Mauro Marcondes em agosto de 2012, j\u00e1 sob Dilma. No documento, o personagem pediu o apoio de Lula para convencer o governo a comprar da empresa sueca Saab ca\u00e7as Gripen para a For\u00e7a A\u00e9ra Brasileira. Lula disse n\u00e3o ter recebido a carta. A despeito da negativa, a PF lhe perguntou se os R$ 2,5 milh\u00f5es repassados ao seu filho pelo lobista seria uma contrapartida da Saab. \u201cEssa hip\u00f3tese \u00e9 um absurdo\u201d, reagiu Lula. Seria, ent\u00e3o, pagamento da compra de MPs? \u201cEssa hip\u00f3tese \u00e9 outra absurdo\u201d, repetiu Lula.
\nA Procuradoria da Rep\u00fablica interrogou Lula como suspeito tamb\u00e9m no processo que trata do suposto tr\u00e1fico de influ\u00eancia internacional em favor de empreiteiras que virariam clientes de suas palestras, tornando-o um pr\u00f3spero ex-presidente da Rep\u00fablica. As mesmas construtoras frequentam os processos da Lava Jato de ponta-cabe\u00e7a. Seus executivos est\u00e3o presos.
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