<\/a><\/p>\n

Se nas coisas que escrevo h\u00e1 algo que irrita os comunas at\u00e9 \u00e0 dem\u00eancia, \u00e9 o contraste entre o vigor das cr\u00edticas que fa\u00e7o \u00e0 sua ideologia e a brandura das propostas que lhe oponho: as da boa e velha democracia liberal. Eles se sentiriam reconfortados se em vez disso eu advogasse um autoritarismo de direita, a monarquia absoluta ou, melhor ainda, um totalitarismo nazifascista. Isso confirmaria a mentira sobre a qual constru\u00edram suas vidas: a mentira de que o contr\u00e1rio do socialismo \u00e9 ditadura, \u00e9 tirania, \u00e9 nazifascismo.
\nUm socialista n\u00e3o apenas vive dessa mentira: vive de for\u00e7ar os outros a desempenhar os pap\u00e9is que a confirmam no teatrinho mental que, na cabe\u00e7a dele, faz as vezes de realidade. Quando encontra um oponente, ele quer porque quer que seja um nazista. Se o cidad\u00e3o responde: “N\u00e3o, obrigado, prefiro a democracia liberal”, ele entra em surto e grita: “N\u00e3o pode! N\u00e3o pode! Tem de ser nazista! Confesse! Confesse! Voc\u00ea \u00e9 nazista! \u00c9!” Se, n\u00e3o desejando confessar um crime que n\u00e3o cometeu, muito menos faz\u00ea-lo s\u00f3 para agradar a um acusador, o sujeito insiste: “Lamento, amigo, n\u00e3o posso ser nazista. No m\u00ednimo, n\u00e3o posso s\u00ea-lo porque nazismo \u00e9 socialismo”, a\u00ed o socialista treme, range os dentes, baba, pula e exclama: “Est\u00e3o vendo? Eis a prova! \u00c9 nazista! \u00c9 nazista!”
\nRecentemente, cem professores universit\u00e1rios, subsidiados por verbas p\u00fablicas, edificaram toda uma empulha\u00e7\u00e3o dicionarizada s\u00f3 para impingir ao p\u00fablico a lorota de que quem n\u00e3o gosta do socialismo deles \u00e9 nazista. N\u00e3o se trata, por\u00e9m, de pura vigarice intelectual. A coisa tem um sentido pr\u00e1tico formid\u00e1vel. Ajuda a preparar futuras persegui\u00e7\u00f5es. Consagrado no linguajar corrente o falso conceito geral, bastar\u00e1 aplic\u00e1-lo a um caso singular para produzir um arremedo de prova judicial. Para condenar um acusado de nazismo, ser\u00e1 preciso apenas demonstrar que ele era contra o socialismo. Hoje esse racioc\u00ednio j\u00e1 vale entre os esquerdistas. Quando dominarem o Estado, valer\u00e1 nos tribunais. Valer\u00e1 nos daqui como valeu nos de todos os regimes socialistas do mundo.
\nIntimidados por essa chantagem, muitos liberais sentem-se compelidos a moderar suas cr\u00edticas ao socialismo. Mas isso \u00e9 atirar-se na armadilha por medo de cair nela. J\u00e1 digo por que.
\nSocialismo \u00e9 a elimina\u00e7\u00e3o da dualidade de poder econ\u00f4mico e poder pol\u00edtico que, nos pa\u00edses capitalistas, possibilita – embora n\u00e3o produza por si — a subsist\u00eancia da democracia e da liberdade. Se no capitalismo h\u00e1 desigualdade social, ela se torna incomparavelmente maior no socialismo, onde o grupo que det\u00e9m o controle das riquezas \u00e9, sem media\u00e7\u00f5es, o mesmo que comanda a pol\u00edcia, o ex\u00e9rcito, a educa\u00e7\u00e3o, a sa\u00fade p\u00fablica e tudo o mais. No capitalismo pode-se lutar contra o poder econ\u00f4mico por meio do poder pol\u00edtico e vice-versa (a oposi\u00e7\u00e3o socialista n\u00e3o faz outra coisa). No socialismo, isso \u00e9 invi\u00e1vel: n\u00e3o h\u00e1 fortuna, pr\u00f3pria ou alheia, na qual o cidad\u00e3o possa apoiar-se contra o governo, nem poder pol\u00edtico ao qual recorrer contra o detentor de toda riqueza. O socialismo \u00e9 totalit\u00e1rio n\u00e3o apenas na pr\u00e1tica, mas na teoria: \u00e9 a teoria do poder sint\u00e9tico, do poder total, da total escraviza\u00e7\u00e3o do homem pelo homem.
\nA forma\u00e7\u00e3o de uma “nomenklatura” onipotente, com padr\u00e3o de vida nababesco, montada em cima de multid\u00f5es reduzidas ao trabalho escravo, n\u00e3o foi portanto um desvio ou deturpa\u00e7\u00e3o da id\u00e9ia socialista, mas o simples desenrolar l\u00f3gico e inevit\u00e1vel das premissas que a definem. \u00c9 preciso ser visceralmente desonesto para negar que h\u00e1 uma liga\u00e7\u00e3o essencial e indissol\u00favel entre elitismo ditatorial e estatiza\u00e7\u00e3o dos meios de produ\u00e7\u00e3o.
\nO socialismo n\u00e3o \u00e9 mau apenas historicamente, por seus crimes imensur\u00e1veis. \u00c9 mau desde a raiz, \u00e9 mau j\u00e1 no pretenso ideal de justi\u00e7a em que diz inspirar-se, o qual, t\u00e3o logo retirado da sua n\u00e9voa verbal e expresso conceitualmente, revela ser a f\u00f3rmula mesma da injusti\u00e7a: tudo para uns, nada para os outros.
\nPor\u00e9m, no pr\u00f3prio capitalismo, qualquer fus\u00e3o parcial e tempor\u00e1ria dos dois poderes j\u00e1 se torna um impedimento \u00e0 democracia e amea\u00e7a desembocar no fascismo. N\u00e3o h\u00e1 fascismo ou nazismo sem controle estatal da economia, portanto sem algo de intrinsecamente socialista. N\u00e3o foi \u00e0 toa que o regime de Hitler se denominou “socialismo nacional”. Stalin chamava-o, com raz\u00e3o, “o navio quebra-gelo da revolu\u00e7\u00e3o”. Por isso os socialistas, sempre alardeando hostilidade, tiveram intensos namoros com fascistas e nazistas, como nos acordos secretos entre Hitler e Stalin de 1933 a 1941, na c\u00e9lebre alian\u00e7a Prestes-Vargas etc. J\u00e1 com o liberalismo nunca aceitaram acordo, o que prova que sabem muito bem distinguir entre o meio-amigo e o aut\u00eantico inimigo.
\nPor isso mesmo, \u00e9 uma farsa monstruosa situar nazismo e fascismo na extrema-direita, subentendendo que a democracia liberal est\u00e1 no centro, mais pr\u00f3xima do socialismo. Ao contr\u00e1rio: o que h\u00e1 de mais radicalmente oposto ao socialismo \u00e9 a democracia liberal. Esta \u00e9 a \u00fanica verdadeira direita. \u00c9 mesmo a extrema direita: a \u00fanica que assume o compromisso sagrado de jamais se acumpliciar com o socialismo.
\nNazismo e fascismo n\u00e3o s\u00e3o extrema-direita, pela simples raz\u00e3o de que n\u00e3o s\u00e3o direita nenhuma: s\u00e3o o maldito centro, s\u00e3o o meio-caminho andado, s\u00e3o o abre-alas do sangrento carnaval socialista. Os judeus, perseguidos em \u00e9pocas anteriores, podiam usar do poder econ\u00f4mico para defender-se ou fugir: o socialismo alem\u00e3o, estatizando seus bens, expulsou-os desse \u00faltimo abrigo. Isso seria totalmente imposs\u00edvel no liberal-capitalismo. S\u00f3 o socialismo cria os meios da opress\u00e3o perfeita.
\nN\u00e3o, a cr\u00edtica radical ao socialismo n\u00e3o nos aproxima do nazifascismo. O que nos aproxima dele \u00e9 uma cr\u00edtica t\u00edmida, debilitada por atenua\u00e7\u00f5es e concess\u00f5es. E essa, meus amigos, eu n\u00e3o farei nunca. \u2013 Olavo de Carvalho – O Globo, 05\/11\/2000<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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